Tuesday, September 14, 2010

Soneto XXVII (glosa a um verso de D.Tomás de Noronha)

seja eu o enganado que lamenta
e vague errante a procurar por onde vou
perceba o instante só no instante q passou
desencantado padeça a morte lenta

registre o ganho onde a perda se apresenta
descubra a pista que a fortuna colocou
e que a vista que sempre me enganou
mais uma vez me guie pra tormenta

sacrifique em vão o filho amado
conquiste a chaga do primeiro irmão
imite o capitão que queima seus navios

prefira, enfim, negar o ser crucificado
e a amizade de quem tentou Adão
"se meus olhos por ti mais forem rios"

Depois das Duas

fujo do concreto armado
com trinta e dois milhões de rosas
empunhadas como um facho
como um prêmio de espanto
eu ando correndo tanto
dessas vistas pavorosas
que o olhar me tem guardado
do bem e mal que há no baixo

subo assim numa antena rutilante
no alto de um edifício decadente
e ponho-me a gritar às desfraldadas
me estico e pulo num giro transtornado
espero lasso o meu próprio som e
trinta e dois milhões de rosas amassadas

Soneto IX

Perto de ti sou como o gato
Que comeu o rato na frente do cão
Sou como a segunda vogal do hiato
Que num difícil parto, parte a construção.

Sou a sentença que comete desacato
Perto de ti não sou mais que chão
Derramado, sujo, que não conhece trato
E tem por bem o pisar da ingratidão.

Perto de ti não tenho paz nem calma
Sou a sombra esmagada pelo riso
Do sol gritando um dia de verão

mas sei que se ainda tivesse alma
já a perdia de novo se preciso
só pra comer e beber da tua mão


Os Outros

há o Amor...
mas sempre houve.


tem o medo...
mas não convence.

prisões são tantas...
que são o Mundo.

a própria Vida
já não basta.

o vício em si
ensina ao ócio.

o fanatismo até
que é bom negócio.

a intimidade gera
o livro do desassossego.

render-se a quem lhe trai
não adianta.
(tudo quanto padecer possa)
por que fudido mesmo são os outros.