Monday, June 05, 2006

O Rapsodo

Perdi o gosto pelo poema
Na vida meu gesto não sai cá do peito
Não é com ela que me deito quando me deito
Não tive alma grande nem pequena
Nunca vivi nada que valesse a pena com que escrevo
De mim, só se lembrarão aqueles a quem devo

Ah, perdi o gosto pelo poema
Aquelas sensações todas que nunca tive
Aqueles lugares eternos de fontes vibrantes
Aqueles sonhos que à beleza nomeiam
Falham em mim, me chateiam.
Trazem de volta a cantilena
Perdi o gosto pelo poema

Antes o brilho dizia-me coisas
Antes tocava nervoso sua forma
Deixava que o mistério me causasse alento
Ah, fundar seu prazer no não dizer
Que estranha dita do viver
Assim tão longe do contentamento
Prazer na dor, no vão momento
Razão no amor, no vil dilema
Perdi o gosto pelo poema

Na vida os deuses não podem
Na vida o Amor é um cego vencido
E a Fortuna, esta puta que nos guia
é só mais uma com quem dormi um dia
E seu fado a acompanha na melena
Perdi o gosto pelo poema...
Que mente que engana que vicia
Que se esconde, onde está agora, onde ?
Que a rima que o lima lhe esmague
Lhe extermine,
A própria rima que o define
Por fim seja onda e o trague
Perdi o gosto pelo poema

Os sábios todos se soubessem
Os velhos tolos se vivessem
Os marinheiros loucos se voltassem
Por portos, estradas, por sobre os corpos
Abrissem espaço na multidão de braços
Trazendo ao mundo os grandes sonhos
Os ensinamentos dos desertos medonhos
As alucinações do Mar dos Sargaços
E dissessem — És tu o rei que tem o emblema
Mostra a todos, decifra o poema
Já minha voz deixava os olhos lassos
Perdi o gosto pelo poema. O gosto pelo poema
Deixa pra lá. . . (olha a multidão gritando)

Pedro Furtado

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